Setembro Amarelo reforça a urgência de transformar ambientes de alta pressão em espaços de cuidado e prevenção.
O Brasil vive uma escalada preocupante de adoecimento mental ligado ao trabalho. Só em 2024, foram 472.328 afastamentos por transtornos mentais, aumento de 68% em relação ao ano anterior, segundo dados do INSS. Ansiedade e depressão, juntas, responderam por mais de 283 mil licenças. No mesmo período, foram registrados 16.218 casos de suicídio no país, com Minas Gerais figurando como o segundo estado com mais ocorrências.
O silêncio que adoece
Para Renata Livramento, psicóloga e especialista em saúde corporativa, o ambiente de trabalho ainda é um território silencioso quando o assunto é sofrimento psíquico. “Muitos profissionais sofrem calados, com medo de serem vistos como frágeis ou de perderem espaço. Esse silêncio é perigoso, porque mascara sintomas graves e empurra as pessoas para um limite invisível”, afirma.
Segundo ela, não se trata apenas de indivíduos vulneráveis, mas de culturas organizacionais que podem favorecer o risco suicida: excesso de pressão, falta de escuta, metas inalcançáveis e ausência de espaços de apoio. “Saúde mental no trabalho é muito mais do que ausência de diagnósticos. É ter segurança emocional para errar, pedir ajuda e ser respeitado como pessoa”, explica.
Quando o trabalho vira fator de risco
Um estudo publicado na revista Value in Health Regional Issues identificou 121.880 casos de suicídio entre trabalhadores de 18 a 65 anos entre 2008 e 2022, aumento de 68% no período. O impacto econômico indireto foi estimado em R$ 26,3 bilhões, considerando a perda de produtividade. Mas, para além dos números, estão histórias de profissionais que seguiram produzindo, mesmo esgotados — fenômeno descrito como burnon, um estágio em que a dedicação oculta o adoecimento até que ele se torne insuportável.
“Esse é o ponto mais delicado: quem aparenta estar bem, muitas vezes já está em sofrimento. A dor se disfarça de produtividade”, alerta Renata.
O papel das empresas
A psicóloga destaca que não há campanha de Setembro Amarelo capaz de compensar uma cultura organizacional tóxica. “Cartazes amarelos e palestras isoladas não bastam. Prevenir o suicídio no trabalho exige mudanças estruturais: revisar a carga de metas, preparar lideranças para a escuta e criar protocolos de acolhimento”, pontua.
Ela reforça que cuidar da saúde mental é, em primeiro lugar, uma questão humanitária. Estamos falando de vidas, e vidas importam. Mas também trata-se de uma questão estratégica de negócios. Empresas com altos índices de adoecimento mental, licenças médicas e rotatividade não apenas perdem talentos, mas também credibilidade e resultados.
Um chamado à ação
Para Renata, o Setembro Amarelo deve ser entendido como um marco de conscientização, e também de compromisso prático. “Precisamos ir além do mês simbólico e construir ambientes sustentáveis. Quando uma organização se torna lugar de cuidado, ela não só salva vidas como também garante sua própria longevidade”, conclui.
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